Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Em 3 de setembro de 2011

No ano dos seus cinquenta anos não lhe desejo nada! Não desejo porque lhe faço coisas boas sempre que posso, e, se posso, é porque tenho observado você com muita atenção. Observar para conhecer e amar de verdade.
Pessoas reais invariavelmente envelhecem, e, nesse processo, que não é bom, têm a oportunidade de se tornarem mais felizes. Tenho observado você atentamente e o vejo tornando-se mais feliz. Essa parte é boa, não? Tenho observado até quando você se afasta... pelas tais reticências que te acompanharam a vida toda. Enquanto você lida com elas, as reticências, eu continuo exercendo a humana possibilidade de amar uma pessoa real. Não lhe desejo nada, mas você, se desejar, continue me acompanhando pelo mundo, pelos sonhos, pelo dia-a-dia; me chame pra rir, pra chorar, pra te consolar, pra me consolar; me pergunte, me precise, às vezes pra nada, às vezes só para estar. Que o tempo passa, meu amor, que a vida é esse caminho, e que o caminho é sempre melhor junto.
Não faço votos pelos seus cinquenta anos, mas lhe faço o bem que puder e agradeço por me ter permitido observar você, e aprender a amar uma pessoa de verdade!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Para outra pessoa talvez bastassa dar alguns passos, abrir a porta e dizer qualquer bobagem, mas nenhuma resposta a satisfaria. O que precisava não conseguiria com qualquer conversa casual.
Há meses não sentia essa dor, a dor que a acompanhava desde criança, e para a qual era cada vez menos tolerante. Era mais fácil antes, na época em que achava que a dor era uma parte indissociavel da sua existância, quando não conhecia outro estado; era mais fácil então. Mas veio o primeiro céu azul, o primeiro momento de paz: devia ter uns treze ou quatorze anos quando pela primeira vez o céu se tornou real, aquele brilho seco, aveludado, profundo, quando ela se viu envolvida pora alguma coisa morna, e sorriu. Demorou um pouco para perceber o que estava acontecendo, para perceber aquela ausência, a ausencia da dor, que a permitia ver o céu. Daquele momento em diante toda a sua vida fora uma luta constante por aquela ausência, e a dor se tornou cada vez mais insuportável, pois que se havia descortinado uma vida sem ela.
Não saiu do quarto, apenas voltou a dormir, a tentar dormir. Andava dormindo bastante esses dias para passar o tempo, na esperança que algum milagre do tempo trouxesse de volta a leveza.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Laura e a Bisca

Laura era uma bisca. Bisca no sentido normalmente utilizado para xingar alguém. Que boa bisca aquele fulano! No caso de Laura, ser uma bisca fora imposição da vida, pra quem acredita em destino, ou escolha, pra quem quase acredita em livre arbítrio. Ser uma bisca era a estratégia que Laura utilizava pra se proteger. Laura pareceria ingênua, de mente simples, até mesmo inofensiva, não fossem os pulsos de inteligência, como aqueles raios que surpreendem ao trazerem uma luz cegante, totalmente inesperada aos olhos acostumados ao cinza de determinados dias chuvosos, aqueles raios que subitamente atravessam nuvens, com promessas de estiagem, que não necessariamente acontece. Porem esses pulsos não eram frequentemente aparentes e Laura era subestimada. A princípio era subestimada naturalmente, mas aprendeu, ainda criança, a utilizar isso a seu favor. Passou a dissimular. Laura foi uma criança dissimulada. Dissimular virou o equivalente a uma tática de guerra, aprimorada ao longo dos anos. Com o tempo, além de esconder, desenvolveu a arte de mostrar o oposto. Foi quando apareceu Laura, a bisca!
A vingança preferida de Laura, a bisca, era puxar o tapete. Algumas vezes Laura se doou com sinceridade, mas uma sinceridade ingênua, por demais desconcertante para ser bem tolerada. A moça não lidava bem com a rejeição, e tinha uma tendência à melancolia como parte de sua personalidade. Nas horas de rejeição, geralmente causada por sinceridade mal empregada, era mais seguro permitir que Laura, a bisca emergisse. A Bisca era divertda, segura, admirada e invejada, embora profundamente infeliz. Paradoxalmente, a Bisca infeliz protegia Laura da depressão; provavelmente por possuir um tipo de infelicidade ativa, vingativa mesmo. A bisca surgia e virava, com inteligencia, o jogo a favor de Laura; mas não saia logo de cena, porque desconfiava que Laura não conseguia manter a vantagem. Temia que Laura rapidamente mostrasse o ventre, como os cães que reconhecem a superioridade alheia. Temia por Laura, então surgia, virava o jogo, e puxava o tapete. Gostava de ver tombos altos, quando mais altos mais divertidos - sua infelicidade precisava de diversão. Então mostrava os dentes, não para morder, para sorrir. Era sorriso o que a bisca deixava ao se retirar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Kitty

Não me lembro a primeira vez que a vi, nem como nos tornamos amigas, mas lembro bem de seu rostinho dentuço, dos cabelos cacheados, dos olhos escuros, da baixa estatura e da sua forma de ver o mundo. Seu mundo era cheio de sinais, de significados ocultos. Uma simples peninha que entrasse pela janela era um presente de criaturas de mundos distantes, uma simples peninha, bem como uma conchinha na praia ou um pedaço de papel trazido pelo vento. Era cheia de mistérios, de histórias, histórias que inclusive enchiam cadernos que ela colecionava. Era boa aluna, sabia tocar aquelas músicas românticas no violão, músicas que eu adorava ouvir... "Na sombra de uma árvore", do Hyldon, coisa brega que eu adorava, e que adoro até hoje (...Larga de ser boba e vem comigo...) e que décadas depois me fez tomar uma decisão que mudaria minha vida... mas isso aconteceu décadas depois, então voltemos aos meus doze anos. Ela enchia minha imaginação com todos os amigos invisíveis, cujas atividades ela me descrevia e das quais me deixava participar. Adotava dietas esquisitas, ora não podia comer arroz, ora só podia comer arroz; tinha gestações imaginárias e inclusive uma filha, que se chamava Lua, e que andava pela casa, e costumava estar deitada no sofá justo na hora em que eu ia sentar, o que provocava um aviso aflito da mãe, fazendo com que eu interrompesse o movimento no último minuto e saltasse para não sentar em cima da criança. Criança bem ajuizada por sinal, porque minha amiga relatava as conversas que tinha com a "filha", conversas bem maduras para o nosso estágio de vida. Tinha a "Janela-que-dá-pro-morro", na época em que no morro havia verde, antes da chegada das balas traçantes, janela na qual nos debruçávamos aproveitando a primavera no rosto, enquanto cantávamos músicas dos Carpenters. Quantas alegrias me trouxeram aquelas cantorias de meninas debruçadas na janela! E tinha ainda aquela biblioteca fantástica, repleta de livros infanto-juvenis, dos quais eu me servia à vontade e que foram fundamentais em um período bem difícil da minha vida, mas disso já falei aqui em outra postagem, ou pelo menos do pouco que me lembro daquela época. Pois essa criatura morena de grandes dentes brancos que tanto alegrou a minha vida e enriqueceu a minha imaginação, essa criatura que me roubou a solidão e me deu um mundo cheinho de personagens, para que eu não me perdesse na dura realidade de pré-adolescente vivendo em meio a turbilhoes emocionais, pois essa criatura que eu amei tanto, bem cedo desistiu da realidade. Foi viver sabe-se onde e se tornou inalcançável. E eu nunca pude agradecê-la!

37°2 le matin

Hoje revi Betty Blue. Só havia visto uma vez, e lembrava de ter gostado demais do filme. Pois hoje revi e continuo gostando demais do filme!! Não sei se algum dos meus quatro leitores tem idade suficiente para ter visto Betty Blue, mas seria interessante que pegassem em uma locadora e vissem, nem que fosse por curiosidade. Curiosidade sobre uma época em que se utilizava máquina de escrever, e, principalmente, sobre uma época em que não era estranho que o companheiro trouxesse sentido às nossas vidas. Uma época em que não se cobrava que você se sentisse pleno e feliz consigo mesmo o tempo todo, uma época em que as pessoas sentiam como seres humanos, não como robôs anestesiados. Acho que estou meio amarga, acho que estou meio velha, acho que estou meio de saco cheio de toda essa saúde física e mental, de toda essa juventude e plástica perfeita, de todas essas atitudes politicamente corretas, de toda essa satisfação consigo mesmo que devemos aparentar atualmente. Fico com meu querido Fernando Pessoa: " Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Minha grande amiga, a Louca

Durante muitos anos tive medo da Louca, medo que ela me fizesse mal, ou às pessoas que eu amava. Encarei a Louca como inimiga e gastei muita energia tentando me livrar dela. Tentar matá-la de fome me deixava fraca, feia, com aparência doentia a ponto de causar olhares assustados nos outros. Lavá-la em lágrimas costumava aquietá-la, mas me causava terríveis dores de cabeça e inchaços que duravam dias, além de também assustar os outros, que ainda por cima confundiam a magreza e olhos inchados com fragilidade. Passei então pela fase de manter a Louca presa. Aos primeiros tremores do seu despertar aumentava as medidas preventivas, como exercícios físicos, abstinência de álcool, afastamento de qualquer pessoa ou situação que a provocasse... A última medida teve como efeitos colaterais uma boa dose de perda de memória e de solidão, mas pelo menos a Louca não se expressava muito. Sentir sono também liberta a Louca, então evitava sentir sono, dormindo a qualquer momento em que ele chegasse; dormir às seis, sete horas da noite, dormir o dia todo, ou mesmo dormir em eventos sociais é truque que costumava aquietar a Louca. Costumava, porque ela deu pra me aparecer nos sonhos. Outro dia sonhei com um poltergeist. No sonho, o fantasma queria falar com uma pessoa muito querida minha, mas tudo que conseguia era fazer muito barulho batendo cadeiras e atirando coisas. Eu dizia para o "fantasma" - Fala comigo que eu passo o recado! Mas o fantasma tentava, tentava e não conseguia se comunicar comigo ou com a outra pessoa. Pensando no que me aconteceu nos últimos dias, chego à conclusão que o fantasma nada mais era que a Louca. Ela vinha me rondando, até que no último sábado despertou. Era madrugada e eu estava sonolenta, saindo de uma festa, quando ela surgiu furiosa, escandalosa, ofensiva, e disse poucas e boas para a pessoa querida que eu havia mencionado antes. Rapidamente tratei de levar a louca pra casa e colocá-la pra dormir. No dia seguinte pedi desculpas pela forma como a Louca o havia tratado, mas fiquei pensando que, por mais que tenha perdido totalmente a razão, ela estava apenas tentando me defender e, por mais que ela estivesse confundindo e superdimensionando os motivos, eles realmente existiam. No final das contas, a Louca é minha amiga, uma amiga muito intuitiva, mas com uma enorme tendência ao exagero. Passei anos temendo e me escondendo de uma amiga que só precisa ser ouvida e ensinada a me defender sem tanto estardalhaço! Hoje peço desculpas, mas não pelas atitudes da Louca, peço desculpas à Louca, por ter sido tão injusta com ela durante tantos anos, tratando-a como inimiga. Espero que a Louca me perdoe, o que ela provavelmente fará, porque me ama mais do que eu consigo me amar; espero que a Louca me perdoe e que possamos iniciar um longo e harmonioso relacionamento, em que ela me avisará dos perigos que intui, eu a ouvirei, tentando ensiná-la a ser menos dramática e confusa, para que ela possa me ajudar a me amar e a me defender. Talvez assim a Louca não precise mais bater móveis ou fazer escândalos, talvez ela possa relaxar ao perceber que não quero mais matá-la ou prendê-la. Espero que, de agora em diante, possamos ser muito felizes juntas, minha grande amiga, a Louca, e eu!

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Suicida

Ana andava vivendo feliz para sempre quando decidiu desistir, não da felicidade, mas da vida. Na realidade nunca se sentira muito confortável com a vida, mas sempre existiam pessoas a quem magoaria se partisse. E existia também o desespero de partir sem nunca ter experimentado a felicidade. Em determinado momento resolveu dedicar-se apenas a ela, à felicidade. Mudou aqui, ajustou ali, eliminou um pouco, conquistou um tanto, lutou bastante, até que percebeu-se feliz, e feliz andava quando vieram os sintomas. A princípio não entendeu bem, mas, como não era boba, resolveu pesquisar e então viu-se diante de uma decisão. Ana andava vivendo feliz e decidiu que seria para sempre. Não permitiria que a felicidade partisse antes dela. Ana aprendera que nada é permanente, e como não suportaria que o futuro a transportasse para um estado anterior àquele momento, decidiu nada fazer além de esperar... esperar sendo feliz...

terça-feira, 10 de maio de 2011

Compromisso

Não compreendia muitas coisas, talvez pelo mesmo motivo não costumava ser compreendida. Palavras tinham significados diversos para ela e os outros, ou mesmo significado nenhum. Algumas frases tão familiares aos amigos lhe soavam desconexas, como no dia em que Cris, na sua morenice cachedada, lhe explicara o sentido comum de "se comprometer". Clara nunca entendera a palavra compromisso, ou pelo menos não no sentido que lhes davam. A tentativa de explicação de Cris morena não mudou em nada sua confusão. Cris, entre outras frases esquisitas, dissera não dar seu compromisso a alguém que não lhe tivesse dado o seu. Coisa estranha de dizer, "dar o compromisso". O de Clara não a pertencia, independente e voluntarioso se dava sem aviso a quem bem entendesse, estando o outro comprometido ou não, e a Clara só restava obedecer-lhe. As formalidades, os combinados, e os estabelecidos eram implodidos, não sem sofrimento, nas viradas da vida. Seu compromisso, livre e imprevisivel, era quem lhe dava os rumos do amor, não o contrário. Clara sabia que amava quando se via comprometida até a raiz dos cabelos, algumas vezes obrigada a uma baita confusão. Porém, aprendera a lidar com confusões, ou não lidar e esperar, porque saia delas sempre mais feliz que quando entrara! Seu compromisso era atrapalhado, mas não era burro. Confiava nele e o seguia pelas tormentas, de respiração suspensa, certa de onde chegaria. No fim ficavam todos muito surpresos, menos Clara. Não tinha como explicar, não conseguiriam entender...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Tratava de não viver fingindo que vivia. Não viver era trabalhoso, era preciso passar o tempo ativamente. Estar parada assemelhava-se demais à morte, então era necessário fazer. Perseguir era o segredo, perseguir sempre. Seu modo de não viver enganava a quase todos. Assim, porque parecia feliz, era invejada pela felicidade que não tinha. Parte do enganar consistia em colecionar fotografias. Eram evidências de que estava sendo feliz. Encontrara o sorriso certo há alguns anos, e desde então o repetia sempre. Batom não precisava. Os dentes clareados e alinhados e os belos lábios bastavam. O brilho dos olhos, porém conseguia com lápis e rímel. Mais difícil falsear felicidade de cara limpa, então eram imperiosos o lápis e o rímel. Os cenários das fotos eram cuidadosamente escolhidos. Dias ensolarados e azuis, raios atravessando nuvens, folhas ainda cheirando à chuva, fins de tarde coloridos. Às vezes precisava percorrer muitas milhas até um novo cenário. Planejar e executar cuidadosamente os cenários fazia parte do "perseguir".
Tinha também o amor. Não o real, desse nada conhecia. Era incapaz de amar. Fora gerada sem ele, não tivera a chance de aprender a reconhecê-lo. Substituia por obrigações e cuidados excessivos, era o melhor que suas boas intenções alcançavam. Já o amor de fotografia, desse conhecia de sobra. De fotografia, cinema, livros... Passara boa parte da vida procurando um desses. Procurando, sonhando, desejando... Reconheceu-o em uma festa. Chamou-lhe rapidamente atenção o fato de que os olhos dele não correspondiam ao seu comportamento; tratava a todos com atenção, sua fala era afetuosa, por vezes tornava-se brincalhão e fazia todos rirem, mas os olhos pareciam perdidos. Ele está não vivendo, pensou, e seu coração se encheu de esperança. Talvez finalmente o tivesse encontrado, o amor de fotografia, alguém para não viver junto com ela té que a vida os separasse!!!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Clara queria muito parar de pensar, não fosse o nada a alternativa. Quanto mais sua mente se aproximava do nada, mais os pensamentos se fixavam obsessivamente em palavras, significados, olhares, gestos. Estava exausta! Uma dessas tardes sem prazer, em que a mente fugia desesperadamente em círculos intermináveis. A mente de Clara mais que temia o nada, tinha terror. Mas nessa tarde encontrara um arrependimeto. Clara, que não lembrava de ter se arrependido até então, não podia mais fugir da verdade. Cometera um erro. Apenas um. Um, porém, que a atrasara anos - dez anos pra ser mais precisa - mas não uma década qualquer; dez anos importantes! Helena bem que tentou alertá-la na época, mas Clara que andava então com umas urgências, dessas urgências do desespero, não deu ouvidos a Helena, ou ao seu coração. Agora tinha um arrependimento. Por algum desses caminhos tortos, tão típicos de Clara, essa descoberta aliviou sua mente. Um arrependimento era bem mais que o nada. Assim, passou tranquila o que restava da tarde, e a noite a encontrou já quase feliz.