Laura era uma bisca. Bisca no sentido normalmente utilizado para xingar alguém. Que boa bisca aquele fulano! No caso de Laura, ser uma bisca fora imposição da vida, pra quem acredita em destino, ou escolha, pra quem quase acredita em livre arbítrio. Ser uma bisca era a estratégia que Laura utilizava pra se proteger. Laura pareceria ingênua, de mente simples, até mesmo inofensiva, não fossem os pulsos de inteligência, como aqueles raios que surpreendem ao trazerem uma luz cegante, totalmente inesperada aos olhos acostumados ao cinza de determinados dias chuvosos, aqueles raios que subitamente atravessam nuvens, com promessas de estiagem, que não necessariamente acontece. Porem esses pulsos não eram frequentemente aparentes e Laura era subestimada. A princípio era subestimada naturalmente, mas aprendeu, ainda criança, a utilizar isso a seu favor. Passou a dissimular. Laura foi uma criança dissimulada. Dissimular virou o equivalente a uma tática de guerra, aprimorada ao longo dos anos. Com o tempo, além de esconder, desenvolveu a arte de mostrar o oposto. Foi quando apareceu Laura, a bisca!
A vingança preferida de Laura, a bisca, era puxar o tapete. Algumas vezes Laura se doou com sinceridade, mas uma sinceridade ingênua, por demais desconcertante para ser bem tolerada. A moça não lidava bem com a rejeição, e tinha uma tendência à melancolia como parte de sua personalidade. Nas horas de rejeição, geralmente causada por sinceridade mal empregada, era mais seguro permitir que Laura, a bisca emergisse. A Bisca era divertda, segura, admirada e invejada, embora profundamente infeliz. Paradoxalmente, a Bisca infeliz protegia Laura da depressão; provavelmente por possuir um tipo de infelicidade ativa, vingativa mesmo. A bisca surgia e virava, com inteligencia, o jogo a favor de Laura; mas não saia logo de cena, porque desconfiava que Laura não conseguia manter a vantagem. Temia que Laura rapidamente mostrasse o ventre, como os cães que reconhecem a superioridade alheia. Temia por Laura, então surgia, virava o jogo, e puxava o tapete. Gostava de ver tombos altos, quando mais altos mais divertidos - sua infelicidade precisava de diversão. Então mostrava os dentes, não para morder, para sorrir. Era sorriso o que a bisca deixava ao se retirar.
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