Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Escrito de dezembro


Tenho saudade da pessoa doce que eu sou quando estou com você! Saudades de ter bons sentimentos com todos . 

Do medo

Tentava esquecer o incômodo nas costas. Após três meses sem exercícios físicos havia decidido que estava flácida e que era hora de conseguir algum tônus muscular, se não por uma questão de saúde, pelo menos para sentir-se um pouco mais atraente, coisa que sentia cada vez menos na medida em que se aproximava dos cinqüenta. Não entendia como uma mulher jovem como ela podia ter aquele rosto do espelho, aquela pele já um pouquinho flácida, e aquele acúmulo de décadas. Decidiu ter aulas de samba no pé, provavelmente influenciada pela proximidade do carnaval. O movimento repetitivo dos braços estava agora sendo sentido na coluna recostada em dois travesseiros. Tentava não pensar nisso, como tentava não pensar no companheiro. Era preciso se concentrar na leitura.


O medo da morte dissera R. Tudo para ele era explicado com o medo da morte. Ela acreditava não possuir esse medo. Da solidão, sim, da morte, não. As paixões, as viagens, os casamentos, a dança, os animeis de estimação, os idiomas, as insônias, tudo isso sempre lhe parecera associado ao medo e à negação da solidão. Dessa sim tinha consciência, desde sempre, desde muito criança, desde que descobrira que as pessoas morriam desde que descobrira que as pessoas morriam e que poderia, assim, ficar só. Não havia pensado na morte, mas na solidão. Até aquela conversa com R. E mesmo agora, quando aquele corpo no espelho mudava, quando precisava de óculos, não era na morte que pensava. Era em aprender coisas novas, em distrair a mente com ocupações criativas e dentro do possível, tranqüilas; era em conhecer novos lugares ; descobrir em si novos talentos, em viver de forma agradável, produzir, criar, enfim , em distrair as horas de potencial solidão. Talvez o medo da morte fosse mesmo, apenas, o medo da solidão.

Arroz doce

O verão deu uma trégua. Em um sábado fresco de janeiro, quase um milagre, recostava o corpo dolorido em travesseiros enquanto lia com óculos de um grau diferente do seu, mas que serviam. Beirava os cinqüenta, mas ainda não conseguia admitir a necessidade de óculos de leitura. Nunca havia precisado de lentes até esse último ano. Quando começou a ficar difícil decifraras letras menores havia adquirido o hábito de tomar emprestados os óculos do amigo que estivesse mais perto. Alguém lhe deu um de seus óculos velhos que ela usou até que as duas hastes estivessem quebradas. Estão resolveu ir ao oftalmologista, mas devido à surpresa de descobrir que precisava não de apenas um, mas de dois óculos, um para longe e um para perto, voltou ao processo de negação e tomou emprestado definitivamente um dos óculos de leitura de seu pai. Não era exatamente o seu grau, mas aumentava as letras permitindo que as lesse. Era suficiente.


Quando um dos personagens do livro com o qual se distraia comeu arroz doce, veio aquela vontade insistente que não a deixou enquanto não se encaminho u até a cozinha, ainda com os óculos e o livro diante dos olhos, para providenciar o mesmo para si. O resultado da sua falta de prática culinária, uma papa meio aguada, foi devorada ainda bem quente, com muita canela em pó para disfarçar. Era o arroz doce que podia ter naquele momento, era o que comeria com prazer. No tinha problema de peso, pelo menos não de excesso de peso, ao contrário, tinha essa tendência a se enfear de magreza quando não estava bem. No seu caso, devorar uma tigela de arroz doce aguado era sinal de bem estar.