Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Viver

Eu tenho medo e medo está por fora
O medo anda por dentro do meu coração
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião
Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão...
(Pequeno Mapa do Tempo - Belchior)


V... fez apenas uma das provas. Achou que tinha ido mal e abandonou a seleção. Não havia ido mal. Teve medo de não estar suficientemente preparada para aquele passo. V... tem 22 anos. Muitos temos a ilusão de que existe algo como “estar suficientemente preparado”; de que se fizermos tudo direitinho, conforme o planejado, teremos controle sobre o resultado final. V... foi momentaneamente paralisada por essa ilusão.
B... tem pouco menos de 20 e se depara com a percepção de que adultos mentem, erram e temem. Comenta como os adultos que ama são “crianças”. Anda refletindo sobre a solidão que sentiu e sente. Os adultos que a amam se esforçam para aliviar seu sofrimento, mas só podem encorajá-la e observar, afinal, B... está crescendo, encarando seus temores e buscando as ferramentas necessárias para enfrentar a vida. É um processo solitário. Como tantos outros importantes.
Zygmunt Bauman fala sobre o medo na entrevista publicada no globo de domingo. De como percebemos que em vez de controlarmos a natureza, como pretendíamos, estamos contribuindo para prováveis catástrofes provocadas pelo aquecimento global. Comenta ainda o fato de estarmos percebendo o quanto falhamos em diminuir as injustiças no planeta. Enfim, de como falhamos em controlar tudo o que nos causa medo. Conclui que essa falha provoca um momento de grande ansiedade.
Talvez um dos grandes desafios humanos, em escala pessoal e global, seja compreender que o medo não pode ser abolido, nem superestimado, mas deve ser utilizado com o final para o qual foi criado; nos manter vivos, nos dando poder para fugir ou enfrentar! O crucial seria discernir os momentos em que devemos fazer uma coisa ou outra, com a certeza apenas de que façamos o que fizermos, o resultado será ainda medo, para que continuemos.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Com açúcar, com afeto


Por bastante tempo desprezou a forma como a madrasta se comportava. Aquela adoração ao seu pai o exasperava. Jamais conseguiu entender como o pai, um sedutor, artista, intelectual, poderia ter escolhido como esposa, dentre tantas opções, uma mulher que comportava- se, muitas vezes, como se vivesse em séculos anteriores. Levou tempo para aceitar aquele amor e talvez jamais tenha aprendido a respeitá-lo. A aceitação veio durante os longos meses da doença que lhe tirou o pai, quando a dedicação dela fez toda a diferença; mas o respeito, esse talvez nunca tenha aparecido.

Não posso deixar de pensar nisso enquanto distraio-me dos meus compromissos profissionais por alguns momentos, pensando em como obter uma receita e especulando quais seriam os ingredientes e utensílios necessários para a confecção do doce.

Sorrio e peço mentalmente que a falecida avó de uma certa criatura amada ilumine, de onde estiver, essa pobre cientista enfeitiçada e não permita que o projeto se transforme em alguma coisa de gosto e aparência duvidosos.

Que todos que estejam lendo estas mal traçadas linhas tenham alguém por quem valha a pena se debruçar sobre um tacho como se isso fosse a mais deliciosa das aventuras.