Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Do medo

Tentava esquecer o incômodo nas costas. Após três meses sem exercícios físicos havia decidido que estava flácida e que era hora de conseguir algum tônus muscular, se não por uma questão de saúde, pelo menos para sentir-se um pouco mais atraente, coisa que sentia cada vez menos na medida em que se aproximava dos cinqüenta. Não entendia como uma mulher jovem como ela podia ter aquele rosto do espelho, aquela pele já um pouquinho flácida, e aquele acúmulo de décadas. Decidiu ter aulas de samba no pé, provavelmente influenciada pela proximidade do carnaval. O movimento repetitivo dos braços estava agora sendo sentido na coluna recostada em dois travesseiros. Tentava não pensar nisso, como tentava não pensar no companheiro. Era preciso se concentrar na leitura.


O medo da morte dissera R. Tudo para ele era explicado com o medo da morte. Ela acreditava não possuir esse medo. Da solidão, sim, da morte, não. As paixões, as viagens, os casamentos, a dança, os animeis de estimação, os idiomas, as insônias, tudo isso sempre lhe parecera associado ao medo e à negação da solidão. Dessa sim tinha consciência, desde sempre, desde muito criança, desde que descobrira que as pessoas morriam desde que descobrira que as pessoas morriam e que poderia, assim, ficar só. Não havia pensado na morte, mas na solidão. Até aquela conversa com R. E mesmo agora, quando aquele corpo no espelho mudava, quando precisava de óculos, não era na morte que pensava. Era em aprender coisas novas, em distrair a mente com ocupações criativas e dentro do possível, tranqüilas; era em conhecer novos lugares ; descobrir em si novos talentos, em viver de forma agradável, produzir, criar, enfim , em distrair as horas de potencial solidão. Talvez o medo da morte fosse mesmo, apenas, o medo da solidão.

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