Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma manhã

Enquanto se aproximava do prédio o coração acelerava. Tentava respirar vagarosamente para controlar a agitação que tomava conta de todo o seu corpo. Estacionou o carro onde costumava e ao entrar no prédio não se conteve e perguntou ao porteiro se ele já havia saído. A resposta a tranquilizou. Ao conferir sua aparencia no espelho do elevador reparou manchas escuras na blusa, na altura do abdome e das axilas, apesar da temperatura amena do inverno carioca no início da manhã. A empregada abriu imediatamete a porta. Ele ainda está dormindo? perguntou sem esperar a resposta pois seus passos apressados a levavam na direção do quarto. Assim que abriu a porta sentiu o cheiro, o mesmo que impregnava as camisas, a nuca e os pés dele. Inspirou profundamente para que o aroma espalhado no ar penetrasse até o seu cérebro e lhe provocasse o sorriso que a presença daquele homem sempre lhe trazia. Mais um passo e pode vê-lo na penumbra; estava deitado em posição fetal, com um travesseiro entre as pernas, o semblante inocente e relaxado. Passou os olhos em cada detalhe daquele corpo que dormia enquanto se aproximava devagarinho. Sentou delicadamente na beirada da cama e roçou os lábios em sua barba sussurrando um "bom dia dorminhoco" com a voz mais doce de que era capaz. São nove e meia respondeu quando ele gemeu perguntando as horas. Deu a volta na cama e deitou-se atrás dele, abraçando-o e beijando-o delicadamente nas costas enquanto erguia os olhos para a cabeceira da cama para constatar aliviada que a foto ainda estava lá! A foto que os dois haviam tirado em sua primeira viagem e que ele mantinha na cabeceira. O contato físico foi aos poucos acalmando sua respiração. Ficaram assim ainda alguns minutos até que ele levantou. Ainda preciso comprar pão, disse! Estava tranquilo. Foi atrás dele quando entrou no banho, para que pudessem continuar conversando, ela sentada sobre o tampo da privada e ele no box. Enquando ele se enxugava vasculhou seu corpo, como fizera tantas vezes, como se fotografasse cada detalhe do contraste entre a pele muito branca e os pelos escuros. Tão lindo pensou. Era um homem maduro, já não tão magro e com os cabelos rareando no alto da cabeça. Tão lindo, pensou reprimindo o desejo de tocar aquele corpo ainda muito firme, milagrosamente firme, já que ele era avesso aos exercícios. Reprimiu o desejo como fizera tantas vezes; ele estava apressado. Enquanto caminhavam até a padaria segurou a mão dele com firmeza sentindo todo o calor daquele contato. Haviam adquirido o hábito de andar de mãos dadas. No começo estranhara um pouco, muitas vezes sentira o impulso de se livrar daquelas mãos que a mantinham cativa, que lhe impunham a velocidade e a direção. Porém, com o tempo aprendera a relaxar e agora não havia quase nada que se comparasse ao prazer que aquele contato morno lhe trazia. Ele optou por tomar café na padaria mesmo. Teve vontade de beijá-lo algumas vezes, enquanto conversavam em pé, frente ao balcão, mas ele desviava os olhos. De uns dias pra cá andava olhando assim, de viés, como quem tem algo a dizer, mas não tem coragem. Quando se deixaram, cada um tomando o rumo do seu trabalho, ele parecia agir naturalmente, mas algo dentro dela apertava e torcia e triturava. Antes de partir olhou-o ainda uma vez com com ternura e disse que o amava, como já repetira tantas vezes. Ele sorriu e nada disse. Ela virou-se e sem pressa, entrou no carro e dirigiu-se ao tunel escuro e frio que teria de atravessar sozinha com sua dor.

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