Hoje me deu vontade de falar sobre o meu “Campo no
apartamento”, mas para isso é preciso voltar um tanto no tempo. Quem da minha
geração não se emocionou ouvindo Elis Regina cantar “Casa no campo”, do Zé
Rodrix? Quem não sonhou com seu cantinho, amigos, discos, livros, e nada mais? Ou
pelo menos aprendeu sobre arcadismo nas aulas de literatura tendo essa música
como exemplo? Quantos de nós não adoram essa música até hoje? Pois essa
quarentena me aproxima muito daquela adolescente que desafinava a música, cheia
de emoção, enquanto sonhava com o “filho de cuca legal” que teria um dia. Ocorre
que minha vida é na cidade. E cidade das grandes. Embora envolva campo, meu
trabalho é aqui a maior parte do tempo. Meu filho, com uma a cuca tão legal
quanto um filho meu pode ter, é uma pessoa urbana. Enfim, não estou no campo.
Ou melhor, estou, mas em vez de uma casa no campo, estou em um campo no
apartamento. Sim, eu trouxe, na medida do possível, o campo para o apartamento.
Um grande pé de maracujá atravessa a minha sala. No meu jardim não pastam carneiros
e cabras, não ouso cria-los aqui. Em seu lugar, pastam solenes caramujinhos para
os quais faço as vezes de predador controlando a população com armadilhas.
Pastam também outras tantas pequeninas criaturas com as quais convivemos bem. Pena
que joaninhas não gostam de viver por aqui, porque não tolero os pulgões. Os
gatos gostariam muito de pastar também, mas os contrario dando preferência às epífitas
e a plantas que não sejam do interesse deles, como as aromáticas. Tenho ainda
uma ou duas hortaliças, que mantenho fora do seu alcance. Gatos não são tão
fáceis de controlar como os caramujos, têm muita personalidade! No meu campo de
apartamento tem ainda uma criação de minhocas, das de verdade, embora também as
tenha na cabeça de vez em quando; uma criação de fermento de pão, e ainda o meu
neto canino, um adorável estabanado ciumento das plantas. Apesar das terríveis
circunstâncias, e por isso mesmo, dentro do possível, vivemos felizes aqui na
quarentena, com discos, livros, amigos atualmente virtuais, e nada mais. Ah,
não componho rock rurais, mas os ouço!
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