Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Maria

Era um dia qualquer de 1972, mais ou menos pelo meio do ano. Enquanto do rádio da cozinha vinha o som de "India", música muito popular na época, ela olhava Maria e sentia um aperto no coração. Maria era gorducha, tinha cabelos longos, lisos e negros; trabalhava na casa há algum tempo e... só! Era só o que lembrava de Maria, nada além. Na verdade sequer pensara em Maria nos quase quarenta anos seguintes... Pelo meio do dia fazia calor; o inverno gaúcho era assim, calor na hora do sol a pino. Ainda vestia o suéter que a mãe a fizera colocar de manhã. Queria trocar de roupa, mas não sabia direito onde estavam as suas coisas e os adultos estavam ocupados demais em organizar a volta. Sim, finalmente voltariam. Durante anos pedira pra voltar, não pertencia àquele lugar, sonhava com o cheiro do mar, com a familia distante. Pedira muito ao pai para voltar e agora finalmente aconteceria, finalmente! Tinha nove anos e supunha que que tudo estaria exatamente como deixara há quatro anos, quase a metade da sua vida. Supunha que tudo estaria como lembrava, que o tempo houvesse paralisado esperando a sua volta.
Quase quarenta anos depois veio aquele sonho esquisito. Havia deixado o livro que ele lhe dera no quarto da pousada. Alguém viera avisar quando já estava partindo. O livro, precisava ir buscá-lo, mas não conseguia mais achar o quarto. É o quarto 72, disse alguém. Foi quando percebeu que estava acordada repetindo aquele número. Sempre tivera péssima memória pra números e repetia com o intuito de decorar.
Passou o dia paralisada, pouca coisa conseguia encontrar no passado, o passado não era mais, havia apagado, não tinha boa memória. Quis desistir do livro, esquecê-lo, deixá-lo junto com Maria, mas a música não saia mais da sua cabeça "... a sua imagem sempre comigo vai...". A música e aquele aperto.

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