Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

domingo, 20 de setembro de 2009

As fases de Ana

A mais nova das viradas espetaculares de Ana coincidiu com o cansaço de se dedicar. Por muito tempo esteve apaixonada e tratando-o como uma criança mimada, cuidando dele, achando seus defeitos bonitinhos e sujeitando-se ao seu despotismo com o ar embevecido de mãe de recém-nascido. A mãe dela já havia cantado a pedra: "Só quero ver até quando" exclamara no tom irônico que costumava usar ao se referir à filha. A observação se dera na fase das fotografias, quando Ana enchia os móveis de porta- retratos com fotos românticas do belo casal; quando se dedicava com afinco ao projeto "a mulherzinha perfeita do homem da minha vida". Estivera empenhada nele por anos e teria continuado ainda muito tempo se o homem da sua vida não começasse a ofuscá-la tanto.
Deu-se como a mãe de Ana previra, como já havia acontecido antes, Ana simplesmente se aborreceu e parou de dar, de se dedicar, deixou de ser a mulherzinha de contos de fadas e começou a cobrar retribuição por seus gestos. Isso sempre deixava os homens bastante confusos e ressentidos, causando o afastamento.
A fase seguinte era "a coitada". Luísa chamava assim - "encosto de coitada" - à entidade que tomava conta do corpo de Ana nessas épocas. Uma entidade chorosa, despenteada, anoréxica... uma zinha que dava a impressão de que não sobreviveria ao rompimento, que se partiria em vários pedaços. A zinha deixava todos preocupados, inclusive a própria Ana que no fundo temia não sobreviver a uma fase dessas. Então, assim como viera, a coitada desaparecia; o fato que dera origem à sua chegada passava a não ter mais importância e Ana mergulhava de cabeça em outro projeto que podia ser um cachorrinho, um desfile de escola de samba, um espetáculo de balé, uma pós-graduação, um curso de línguas ou um novo namorado complicadinho. Ana já perdera a conta de quantas viradas daquelas ocorreram em sua vida.
Quando a raiva começou a ocupar o lugar da tristeza, com a qual se empalara durante semanas, Ana tinha as unhas pintadas de vermelho e vestia uma camisolinha de seda preta. Ao passar em frente ao espelho do banheiro achou-se bonita e atraente, embora um tantinho desgrenhada como costumava ser sua aparência ao acordar. Pensou que aquele homem era mesmo um insubordinado mal-agradecido e que definitivamente não a merecia. Pensou que aquela imagem que o espelho refletia combinava com a de uma escritora. Por algum motivo lembrou de Meryl Streep em "She-Devil", com seus chapelões, vestidos diáfanos e ar de heroína romântica. Pouco importava se a personagem levasse a pior no final do filme, era só uma questão estética.
Foi quando munida de uma xícara de café sentou-se em frente ao micro e começou a digitar a primeira frase de seu livro, com cuidado para não estragar as unhas. Já podia ver "o homem da minha vida" entrando cabisbaixo e arrependido em alguma livraria do leblon onde ela estaria autografando seu livro, com um ar um tantinho etéreo dentro um belo vestido cor de salmão e sandálias altíssimas, sorrindo modestamente para imprensa e piscando seus lindos olhos perfeitamente maquilados. Não tinha dúvida de que o livro sairia, como todos os projetos em que se empenhava. A coitada subira e Ana estava de volta, a boa e velha Ana de sempre!

2 comentários:

Ana Silvia Mineiro disse...

Essa Ana é mais que apenas uma xará. Muita identificação.
Beijos

Tamara Queiroz disse...

Querida,

Vim o mais depressa que pude agradecer o seu carinho. Que linda!

Volto aqui já já para apreciar a tua escrita.

B-jo, b-jinho