Talvez não devesse ter submetido seu corpo sexagenário ao álcool
em pleno dia de semana, mas havia sido um dia especialmente estressante. Havia?
Porque agora já não importava mais. Tanto fazia. Depois da cerveja e dos restos
de doce de abóbora da feira de orgânicos que havia devorado, antes de uma
ameixa seca, que também era doce, estava se sentindo particularmente bem e
grata. A temperatura havia baixado um pouco. Uma brisa gostosa entrava pela
porta aberta do quarto. O outono em sua cidade era sempre bem-vindo, sempre agradável.
Não sabia se pelo álcool, açúcar, temperatura, ou porque não tinha tempo
sobrando, estava feliz e em paz. Sentindo a maciez de todos aqueles fios de algodão
sob o corpo, recostada nos travesseiros fofos, apenas escrevia. Sentia-se bem e
escrevia. Na idade em que o futuro começa a ficar escasso, o agora ganha outro
sentido. Lembrava de uma época de ansiedade, de desejo, de inquietação, época em
que sonhara estar apenas em paz, como nesse momento. Passou os pés no pelo do cachorro. Observou o
brilho que a luz provocava na luminária de metal, pensando que ainda não a havia
desenhado. Respirou fundo, e com a língua nos lábios, decidiu lembrar de um certo
beijo. Talvez já fosse hora. Talvez!
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