Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Believer

 

Na época ela expressou que havia perdido a alegria matinal. Que acordava e não tinha vontade de sair da cama. Era como media a potência da sua tristeza, do seu luto. A outra confidenciou que agora andava inquieta, mas que antes não era assim, que antes costumava ficava em paz em casa, com a família, fazendo suas coisas. Na verdade, não sei se “inquieta” foi a palavra que ela usou, mas era algo como ter perdido o sossego. Talvez fosse assim o que chamam de “perder o chão”. Teve ainda a que comentou algo sobre a casa ser seu refúgio. Esses pedaços de discurso, reunidos como em um trabalho de patchwork, iam mostrando o cenário da bolha disfuncional em que Inês vivia. Ou, talvez, ao contrário, a bolha de felicidade na qual algumas pessoas usualmente habitavam. 

Décadas se passaram até que todos esses fragmentos reunidos começassem a fazer sentido, que Inês descobrisse o que deveria buscar. Baita desperdício de tempo? Talvez não, talvez todo o caminho que Inês percorrera ao longo dos anos, fosse justamente alimentado pelo fato dela intuir que as coisas poderiam ser de outro jeito, embora ainda não soubesse qual. Havia algo, um lugar de estar no mundo, que precisava ser alcançado. Pensava nisso quando apoiou a caneca no tecido florido. Algumas pessoas, como Inês, descobrem bem tarde. Algumas não descobrem nunca!

terça-feira, 9 de julho de 2024

Velhas armadilhas, novas estratégias

 

Gostava das palavras. Tanto, que as da sua língua materna não eram suficientes. Precisava aprender outras, várias, quanto mais, melhor. Tinha um imenso prazer em se comunicar na língua local em diferentes países. Não que fosse fluente em todas, mas ter o suficiente para pedir informações e entender avisos de comissários de bordo, pedir ou dar direções a motoristas de taxi e recepcionistas de hotéis e museus. Entrar em um bar ou restaurante e pedir o que quisesse. Tudo isso causava satisfação, e já havia sido o caso de provocar risadas dos seus interlocutores por ter se aventurado além dos seus conhecimentos.

O que gostava na matemática (talvez só o que gostasse na matemática) eram as letras gregas (que se juntaram aos radicais e começaram a fazer sentido em letreiros, quando visitou seu país de origem). Estudou latim para entender descrições botânicas. Achava incrível como as palavras se distribuíam em textos. Amava o fato de a linguagem escrita permitir ser decifrada no tempo que fosse necessário, embora desde cedo lesse em boa velocidade. Já a palavra falada por vezes saltava mais rápido que pudesse acompanhar. E mudava de sentido avidamente... Palavras faladas viviam bailando, rodopiando e evoluindo, como pokémons ou como sacis em redemoinhos, antes de serem capturadas em textos. Fascinantes.

Lembrava de uma professora da oitava série comentando com ar entusiasmado que se havia comunicação, não havia erro. Achava a comunicação por demais complexa, havia muito erro proposital. Pensou nas sequências de palavras construídas não para esclarecer, mas a fim de criar enigmas e duplos sentidos, ou inverdades puras. Achava muito angustiante.

Por vezes, como agora, sentia sua energia capturada em dificuldades de comunicação. Com o passar dos anos havia tomado a decisão de se esforçar para não ficar presa nisso. No momento estava pensando em liberar essa energia voltando-a para o aprendizado de caracteres chineses. Pouco pratico, mas bem mais divertido.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

A Cesar o que é de César

 

Com a volta do apetite deu-se conta que dessa vez fora rápido. Havia decidido dar uma volta em um meio-dia ensolarado de inverno, e observar algumas flores. Rir um pouco com bobagens de internet. Cheirar casca de tangerina. Comprar pincéis. E o mais importante, sentir raiva. Da mais pura, mais genuína, direcionada exatamente para quem a merecia. A Cesar o que é de Cesar. Libertador!