Não consigo bem descrever o verde, mas é suave, com um
tantinho de cinza, clarinho, repousante. E os puxadores foram lixados de modo a
deixar entrever o marrom da madeira. Não recordo se foi o primeiro móvel que
comprei na vida, creio que sim. De madeira boa, não sei dizer qual. O verde
veio bem mais tarde. Antes nem gostava deste ar desgastado, não lembro bem
porque dei essa lixada nos cantos. Mas lembro porquê pintei. Gosto de olhar pra
ela, os puxadores como dois olhos me encarando serenos e fortes. E toda a
bagunça sobreo tampo: livros, lápis, papéis, cadernos, computador, vitaminas,
telas, um tantinho de maquiagem. Porções das minhas construções. Estamos aqui
por você, dizem. Pode ser que me seja tirado um dia, se a demência vier, como
veio para a minha mãe, mas daí já não terá mais importância. Por agora estão
ali, fortes, testemunhas das minhas edificações. Muralha inviolável. Espada,
defesas. “Não mexe comigo que eu não ando só, eu não ando só, eu não ando só”.
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