Foi uma semana difícil, a passada. Não pelo distanciamento
social. Quem me conhece sabe que venho praticando desde sempre. Nem pelas
questões políticas. Quem me conhece sabe que não me surpreendem nem um
pouco. Não há nada que não tenha sido avisado, esperado, até causado afastamentos dolorosos associados a uma profunda perplexibilidade.
Mas são afastamentos temporários. O difícil da semana foi a internação de uma
pessoa muito querida. A internação de pessoas importantes por doenças que
oferecem risco de morte escancara a pequeneza dos problemas cotidianos. Tornam-se
de repente tão ínfimos, tão ordinários, que sequer conseguimos entender como e
porque aquilo algum dia nos tirou o sono. A internação de uma pessoa muito
importante nos joga na cara a urgência de aceitar e de entender que o outro é
especial exatamente daquele jeitinho, ainda que muitas vezes a convivência
possa ter tido conflitos. De repente, tudo o que queremos é dizer: -Seja quem e exatamente
como você é, apenas seja, e, enquanto for, estarei sorrindo porque você é aqui,
no mesmo planeta e tempo que eu, não importa se afastados no espaço. Uma grande
amiga comentou hoje aqui no face sobre a urgência de dizer “eu te amo”. Um amigo dela havia perdido a esposa. Quem tem
abrigo, alimento, pessoas para quem dizer “eu te amo”, e uma luz que reacende
todas as manhãs, apenas sorria e seja feliz. Quanto à pessoa de que falo, já
está em casa e melhorando. Vai continuar alegrando nossos corações. Temos
sorte. Outros não terão a mesma sorte que temos.
Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!
domingo, 26 de abril de 2020
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Limpeza
Ontem à noite arrumei o armário do banheiro. Hoje alguém
postou um vídeo onde se pode ver várias tartarugas aproveitando a ausência de
humanos, para nadar nas águas da Marina da Gloria. O que uma coisa tem a ver
com a outra? Bom, primeiro o armário. É pequeno,
desses que ficam embutidos na parede, de metal já um pouco enferrujado, com espelho
mostrando também sinais de oxidação. Como o prédio é da década de 70, talvez o
armário também seja, mas ainda resiste justamente por estar embutido na parede.
Como estava resolvida a criar espaço, retirei
todos os objetos, alguns eu já nem lembrava mais que estavam lá. Um pente de
plástico rosa teve a extremidade do cabo meio comida pelo cachorro quando era
mais novinho. Na época fiquei zangada; ontem sorri lembrando. Como o pente é ótimo
para pentear cabelos cacheados, ficou. Havia também dois tubos, um pote, e pequenos
frasquinhos, todos com hidratante de pele e de cabelo. Todos usados pela metade
e depois esquecidos. Não costumo usar cosméticos com frequência devido a uma
preguiça monstruosa para gastar o pouco tempo que normalmente tenho livre para
isso, por isso acabo esquecendo. Digo normalmente, mas tudo anda muito anormal,
de forma que separei os cremes, não para usar em mim, pois não lembro há quanto
tempo estão lá, mas para limpar uma bolsa e para passar em algum móvel de
madeira o que sobrar. Retirei do armário também três escovas de dentes, das
quais duas meio gastas; pequenas embalagens de remédio sem nada dentro; o cabo
de um barbeador azul de plástico; alguns grampos de cabelo e uma pequena
presilha de metal, todos meio enferrujados; dois frascos de filtro solar fora
da validade; remédio de nariz ainda na validade, uma pinça de sobrancelha sem
ferrugem e um aparelhinho para cortar comprimidos. Tirando o pente do qual já falei, o cortador
de comprimidos, o remédio de nariz e a pinça, o restante (incluindo as
embalagens dos hidratantes) não serve mais. Agora talvez você esteja se
perguntando por que a pessoa fica listando os itens do armário do banheiro. Seria
algum tipo de maluquice detonada pelo isolamento? Falta de um artigo pra
escrever, um TCC pra corrigir, uma cesta de roupa pra lavar, uma aula para
preparar? Não, querides, não é falta do que fazer e nem doidice. É porque mais
da metade do conteúdo do armário era de embalagens e objetos descartáveis de
plástico. Mais da metade era lixo plástico. E olha que é só um pequeno armário
de banheiro, e estou longe de ser do tipo consumista. Alguém vai comentar que
quem polui são as indústrias, que a maioria das pessoas não tem opção de não comprar
determinados itens, porque são mais baratos, etc.... ok, ok, não vou entrar
nessas questões agora, não proponho soluções, muita gente já discutiu esse
assunto. Estou incomodada porque tem um monte de lixo no armarinho do banheiro,
não tem “fora” do planeta pra jogar, e porque prefiro tartarugas nadando em águas
claras, que em um monte de plástico. Não tem “fora”, assim como não teve “longe
daqui” para esse vírus que anda fazendo a rave em corpos humanos. Fico até feliz
do armário ser de metal e estar embutido na parede, ou já teria virado lixo
também. Aproveitem o isolamento, façam suas listas!
domingo, 5 de abril de 2020
Pangolins e croissants
Um cara comeu um pangolim. Literalmente. Foi lá na Ásia, do
outro lado do oceano, bem longe de nós. Não julgo os motivos, não devia ter
croissant, sei lá. Lendas bobas a parte, o fato é que o sujeito comeu um pangolim
infectado. Do nosso ladinho do planeta, logo ali, tem gente que come tatu, come
literalmente. Mas isso é uma conversa que fica pra outro dia. O fato é que o cara lá na Ásia comeu um pangolim
infectado e é abril. O céu anda mais azul que em qualquer outra época do ano. O
sol aquece apenas o suficiente para ser muito, muito agradável. As folhas têm
um brilho matinal que me causa suspiros. As cores são tão limpas, tão vivas, dá
pra ver raios de luz onde se olha. Quando o chão está molhado, ele faísca! Tudo
é um esplendor, tudo é convite: do CCBB até o MAR, do Leme ao Posto 6, do Arpoador
ao Leblon. O Jardim Botânico, O Aterro. Olhar a Igreja da Glória contra o céu
azul, O desenho da Praia Vermelha, os barcos de madeira colorida na Urca, a Baía
de Guanabara, Santa Teresa e seu Parque das Ruínas. Tudo chama, tudo tende a
provocar sorrisos. O outono do Rio de Janeiro... a estação mais esperada pelos que,
como eu, não gostam do calor, nem da luz cegante do verão. A estação mais
esperada. Daí vai o cara e come o pangolim e eu estou em casa. Daí vai o cara e come o pangolim, e de
repente não é só um cara com fome lá na Ásia. De repente não é só um cara com
fome, é uma célula infectante em um órgão chamado humanidade, de um organismo
chamado planeta. Você ainda consegue pensar “eu não tenho nada com isso”, “é só
uma vez”, “é só um copinho plástico”, “não me diz respeito”, é “só uma
plantinha”, “não me afeta”, “É apenas”...”, é só”..., “não me”..., “eu”..., “meu”...,
o que for, sem lembrar que um cara com fome comeu um pangolim infectado lá na
Ásia e estamos todos em casa em pleno final de semana de outono no Rio de
Janeiro, gratos por termos casa onde estar em segurança?
Assinar:
Postagens (Atom)