Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

domingo, 29 de julho de 2018

Cena dominical


Contemplando meus próprios pés que descansam além do livro e da xícara, a pequena pitangueira na janela iluminada, gatos jogados nas áreas de sol, construo um domingo de paz e conforto, mas sem o poder de desconectá-lo daqueles tantos domingos em que você lia na poltrona perto da janela com a luz branca abraçando tudo e se movendo vagarosamente ao longo da sala, fazendo com que eu ajustasse a cortina em algum momento da manhã. Me percebo sentada no tamboretee à frente, ou no sofá ao lado fotografando cada detalhe da cena, seus pés esticados e cruzados por sobre o braço do sofá, a barriga dobrada por sobre a bermuda de dormir, o umbigo mais escuro, os joelhos ossudos proeminentes, as panturrilhas parcialmente escondidas, as mãos segurando o livro, um braço apoiado na poltrona e o outro sobre a barriga, os mamilos, o peito, os ombros, o rosto com a barba por fazer e  óculos displicentemente colocados, as dobras da pele das bochechas, a cova do queixo, me percebo fotografando ou tentando desenhar tudo enquanto você move os pés e troca de posição, talvez inconsciente da minha presença, talvez tentando causar um incômodo proposital, algo que sempre suspeitei em tantas diferentes situações, mas que nunca soube se vinha de dentro de mim, ou de você.  Tomada da moleza do meio dia, ouvindo um violão do quarto ao lado e passarinhos em algum lugar fora da janela, ainda percebo o momento em que você abaixa o livro, os óculos, e os pés, e me olha imaginando se já estou com fome, para propor o almoço ou um café da manhã tardio. E eu já alegre de espionar seu sossego dominical, sinto uma onda ainda maior de alegria quando seus olhos escuros e sua atenção se voltam pra mim. A cena desaparece, volto ao meu quarto, aos meus pés, aos meus gatos à minha janela, às minhas cortinas, ao meu sossego.

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