Observação: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido (ou não) mera coincidência!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007


Cedo aprendeu a fazer o que chamava “olhar de nada”. Como defini-lo? Não era um olhar inexpressivo, era um olhar que passava uma idéia... de não, nada interessante está acontecendo no momento; assim, um blefe! Manter o olhar de nada era fácil então. Conseguiu mantê-lo por anos. O olhar de nada estava associado a outro blefe. O do sentimento de nada. Algo como fingir que não existia, para não chamar atenção. O que chamamos de fingir-se de morta, até para si mesma, porque para controlar os olhos era imperativo fingir para si mesma. Conseguiu fingir-se de morta por muitos anos, até que começou. Da primeira vez percebeu o perigo a tempo. Os olhos de repente acenderam. Durou apenas alguns segundos, até que o alarme tocasse e o fogo fosse controlado. Saiu-se bem naquele dia. Uma pessoa notou (a conhecia muito bem), e outra pensou que tinha visto algo, mas não teve certeza. Ao ser argüida a respeito negou e pronto, mas, o mal (ou bem) estava feito.
Então começou a acontecer com freqüência. Cada vez mais difíceis controlar, os olhos riam, choravam, brilhavam, sofriam... e o número de pessoas que notavam foi aumentando. De início usava abaixar a cabeça, mas, depois de um tempo, isso só chamava mais atenção. E as pessoas começaram a comentar entre elas, perturbadas com todos aqueles sentimentos, assim, expostos. Palavra proibida e incômoda: exposição.
Naquela madrugada restavam poucos, a maioria já havia ido dormir. Alguém pegou o violão e começar a cantar músicas que não eram ouvidas há tempos. Dentre os insones, alguns choravam, outros suspiravam, mas, na penumbra, e com cada um voltado para dentro de suas lembranças. Ela permanecia sentadinha em seu canto, quase imperceptível. Havia sido chamada para juntar-se aos demais, mas, não, precisava controlar os olhos e os sentimentos. Melhor permanecer ali mesmo. Foi quando a luz apareceu, de início fraquinha, como a chama de uma vela, mas cada vez mais brilhante. Tentou fechar os olhos, mas a luz atravessava as pálpebras. Tentou abaixar a cabeça, mas a luz batia no assoalho e refletia por todos os cantos. Decidiu ir embora, mas já era tarde. Todos já haviam percebido. Os olhos brilharam despudoradamente. O motivo? Ah, esse já se desconfiava há muito!

10 comentários:

Edson Marques disse...

Eliana,

Esse teu texto é perfeito!

Quando a luz "atravessa as pálpebras", a gente vê o sublime.


Abraços, flores, estrelas..

Anônimo disse...

A arte reflete o autor. As melhores obras são aquelas nas quais nos revelamos, ao bom entendedor meia palavra basta. Seu texto é lindo!

Marcia. disse...

Quanto mais eu te vejo, mais me reconheco.

O texto e muito bonito...

bjs.

Só Magui disse...

Se não der atenção e importância aos outros ou o quê pensam a chama nunca se apaga.Danem-se.
Feliz Natal!
http://somagui.zip.net

Joyce Rocha disse...

Olhar “de nada”, olhar “de tudo”, olhos abertos ou olhos fechados, olhos que podem ver a luz ou só conseguem se manter na escuridão, mesmo arregalados e insones... olhos de paixão ou de medo?
Por que tanta gente tem medo de deixar a luz passar? Por que temer o que vai ficar por tempo indeterminado impregnado na retina? Devo alertar: não se critica o olhar alheio! Seja ele cruel ou não.
Psicanalistas dizem que muitos de nós tememos as “coisas boas” porque a qualquer momento poderemos perdê-las e sofreremos uma dor intensa... daí, fechamos os olhos para luz de uma paixão e optamos pelo “sofrimento homeopático”.
Vamos lá! Se todos se sentissem corajosos para mantermos os olhos bem abertos (mesmo aqueles drasticamente fechados, sabe Deus porque), seríamos muito mais felizes e diríamos adeus à monotonia de simplesmente estarmos vivos. Quem, como eu e algumas de minhas amigas (hehehe), respira paixão, vê a luz sublime em pequenos gestos e coisas, e isso faz toda a diferença, faz felicidade e calor de uma fogueira intensa, soando alarmes de perigo e coragem de viver.
Detalhe em tempo: se olhos de luz são acompanhados de “bocas que murmuram palavras de amor enquanto de procuram” (ops! isso é Roberto Carlos hehehe) tornam esse momento simplesmente inesquecível, pois a poesia transborda os olhos (que num instante deixam de ser “de nada”), a boca, o peito, o ventre...
“Luz, quero luz, porque além das cortinas são palcos azuis...” (Chico).

Lidiane disse...

Olhos que brilham e não ofuscam. Refletem.
Olhos de quem vê e não apenas enxerga.
Olhos de gente, olhos d´água, olhos de gato.
Olhos, olhos, olhos.
Que eles fechados, sonhem o mundo.
E que abertos, vivam o sonho.

Um beijo, Eli.

Adam Flehr disse...

Eliana,

Desejo que em 2008, a “meninazinha de olhos verdes” de Mário Quintana, renasça incólume para todos nós..

Feliz 2008, o ano todo!

Bjs

Adam Flehr disse...

Eliana,

Desejo que em 2008, a “meninazinha de olhos verdes” de Mário Quintana, renasça incólume para todos nós..

Feliz 2008, o ano todo!

Bjs

Tamara Queiroz disse...

O olhar...

... já diz tudo, não há o que comentar.

Explêndido!

B-joletas e feliz ano todo!!!

Rossana disse...

Umas das mais lindas que já li,

Beijo