Dois mil e vinte, décimo primeiro dia da quarentena. Hoje
tive medo. Pela primeira vez em todos esses dias eu tive medo. Antes estava
ocupada postando feito louca para que as pessoas não saíssem de casa, limpando
todas as superfícies até explodir em dor de cabeça por não suportar mais o
cheiro da água sanitária, tomando suco de limão até o estômago doer, vigiando
meu filho para ele lavar as mãos, desinfetar o sapato, tomar banho, colocar a
roupa pra lavar; ligando pela centésima
vez pra minha mãe e tias para que não saiam de casa, que não cheguem perto de
ninguém, que desinfetem tudo; limpando o cachorro, lavando toalhas, lavando
lençóis, lendo, lendo, lendo artigos científicos, postando resultados de
pesquisas, postando gráficos, pedindo que fiquem em casa; me alimentando bem,
falando para meu filho se alimentar bem, pra todo mundo se alimentar bem, e não
esquecer de tomar um pouco de sol na janela, e não esquecer de tomar vitaminas,
e não esquecer de se exercitar em casa mesmo. Hoje tive medo de perder alguém. Medo de quem
eu posso perder. Medo pelos que não podem ficar em casa, medo pela amiga
doente, pela família, pelo amor distante, medo, medo. Como se a vida não pudesse
acabar todos os dias, em domingos felizes, em festas de aniversário, em dias de
trabalho, no meio de um beijo, em lugares limpos, desinfetados, em casa,
tomando vitaminas, tomando sol... Como se a vida de qualquer um não pudesse
acabar de repente, como se não fosse urgente amar o tempo todo, todos os dias,
como se houvesse tempo para brigas, bloqueios, afastamentos, desbloqueios,
desentendimentos, como se o tempo sobrasse, como se precisássemos estar atentos
apenas no meio da pandemia. Hoje tive medo.
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