Contemplando meus próprios pés que descansam além do livro e da xícara, a
pequena pitangueira na janela iluminada, gatos jogados nas áreas de sol, construo
um domingo de paz e conforto, mas sem o poder de desconectá-lo daqueles tantos
domingos em que você lia na poltrona perto da janela com a luz branca
abraçando tudo e se movendo vagarosamente ao longo da sala, fazendo com que eu
ajustasse a cortina em algum momento da manhã. Me percebo sentada no tamboretee
à frente, ou no sofá ao lado fotografando cada detalhe da cena, seus pés
esticados e cruzados por sobre o braço do sofá, a barriga dobrada por sobre a
bermuda de dormir, o umbigo mais escuro, os joelhos ossudos proeminentes, as panturrilhas parcialmente escondidas, as mãos segurando o livro, um braço apoiado
na poltrona e o outro sobre a barriga, os mamilos, o peito, os ombros, o rosto
com a barba por fazer e óculos displicentemente colocados, as dobras da pele
das bochechas, a cova do queixo, me percebo fotografando ou tentando desenhar
tudo enquanto você move os pés e troca de posição, talvez inconsciente da minha
presença, talvez tentando causar um incômodo proposital, algo que sempre
suspeitei em tantas diferentes situações, mas que nunca soube se vinha de dentro
de mim, ou de você. Tomada da moleza do
meio dia, ouvindo um violão do quarto ao lado e passarinhos em algum lugar fora
da janela, ainda percebo o momento em que você abaixa o livro, os óculos, e os
pés, e me olha imaginando se já estou com fome, para propor o almoço ou um café
da manhã tardio. E eu já alegre de espionar seu sossego dominical, sinto uma
onda ainda maior de alegria quando seus olhos escuros e sua atenção se voltam
pra mim. A cena desaparece, volto ao meu quarto, aos meus pés, aos meus gatos
à minha janela, às minhas cortinas, ao meu sossego.