Pas de deux, Tracy Curtis
A última vez fora há uns 20 anos. Tentava um novo amor. Na verdade não era bem amor, queria que fosse! Um rapaz desses que a família aprovaria. Pois, decidira passar o reveillon com ele. Por que não? Tinham algumas coisas em comum, poderiam até formar uma família bacana! Sim, família bacana era tudo o que queria naquela época. Aliás, era tudo que nunca deixara de querer.
O problema é que havia um bailarino... doce, complicado, instável, especial... o tipo de sujeito que dançava no meio da rua, em madrugadas chuvosas; que chegava de sobretudo, cabelo encaracolado e um lindo sorriso, desses que a faziam esquecer os atrasos, os desaparecimentos, as pequenas infidelidades; que tinha toda uma galáxia fosforescente no teto do quarto, que a chamava de “minha boneca” e simplesmente adorava caminhar a esmo, com um livro nas mãos, sempre pronto para ler onde tivesse vontade; que não gostava nadinha de trabalhar; que faria a sua avó sofrer um grande desgosto; que fazia seu coração acelerar e seus olhos se encherem de ternura...
Meia-noite (meia-noite mesmo, naquela época não havia horário de verão), fogos, alegria, abraços, beijos, o sujeito bacana, o coração apertado – o que estou fazendo aqui, meu deus? - os olhos úmidos em direção ao mar e uma oração à Iemanjá.
Rapaz bacana descartado, um pequeno príncipe nos braços, o bailarino transformado em pai, dificuldades financeiras, dificuldades no relacionamento, desejo de levar uma vida normal, sem tanto drama, como bem definira a irmã, apenas uma vida normal, com um pai bacana... Não, jamais pediria nada à santa novamente, não sabia pedir, e, da próxima vez, faria tudo direito, como fazem as pessoas normais, as que vivem sem tanto drama.
Mas, o tempo passa, as crianças crescem, a santa continua lá, submersa, durante os anos de calmaria, soprando cânticos materializados em espuma sob os pés amantes... água mole em pedra dura...