Foi na tarde antes da chuva. Ainda estava quente quando ela
chegou apertando o peito e a garganta, fazendo doer à beira do insuportável, irrompendo
intempestivamente, barulhenta, de assalto. Tão indesejada, temida, e detestada,
a saudade. E íamos mergulhando novamente no escuro da falta e da desesperança. Porém
alguma de nós queria tentar algo diferente que deve ter lido ou ouvido em algum
lugar, já que andávamos buscando conhecer formas de se lidar com a visitante. Vamos
ouvi-la, disse. Vamos observá-la, essa perniciosa. Já faz tanto tempo que ela
não perde uma oportunidade de nos atacar, tantos anos. Mas não é nossa culpa. Quando
apareceu pela primeira vez éramos ainda tão pouco experientes e não havia quem
pudesse nos orientar a ouvi-la. Ela sempre chega assim, dolorida, então por puro
medo aprendemos a fugir dela, fugir sempre, de qualquer forma, sem refletir
sobre o caminho, apenas impulsos de fuga. Mas já estamos tergiversando aqui
nessa conversa, voltemos à visita. Como estava dizendo, uma de nós decidiu que dessa
vez haveríamos de nos conter e prestar atenção nela. Do que ela reclamava? Por
que gritava tanto? O que dizia? Apenas seguramos a linha, nós outras, e a
observamos. Ela girava e girava fazendo ventania, trovoada e fogo. Girava do
passado para o futuro, do futuro para o passado. Andava apavorada com o
presente, a pobre, detestava ter perdido o que passou, detestava a sensação de que
qualquer construção presente viraria passado no futuro, se desintegraria.
Estava apavorada com a ideia do paraíso perdido, porque qualquer paraíso seria
inevitavelmente perdido. Recusava o presente, nessa recusa ora brigava, bufava,
girava, gritava e esperneava, ora quedava sem forças apenas para recomeçar logo
adiante. Não era bonito de ver. Era assustador. Mas como combinado apenas observamos.
Foi quando começou a chuva, e o cheiro da chuva. Respiramos fundo bem devagar para
sentirmos, para ouvirmos as gotinhas ritmadas, tamborilantes, frescas. Por
alguns momentos esquecemos a visitante, e quando a olhamos novamente ela estava
em choque porque não fugimos, ela não precisava mais nos perseguir, não precisava
mais espernear, foi parando aos pouquinhos de girar, foi parando aos
pouquinhos, e sentia a chuva, e nos olhava, e assegurávamos que a chuva era boa.
Suas pupilas foram normalizando, ela quedou em silêncio ali, no que estava
acontecendo, a brisa, o cheiro, as gotas...